quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Reflexões sobre educação

"Não é meu..." Sobre a arte de desincumbir-se
José Pacheco

Primeira situação: o moço havia chegado à sua nova escola nesse dia, expulso de outra e bem recomendado: "é uma criança mimada e desobediente". Quando pendurou o casaco, derrubou dois e não fez menção de os apanhar. Fui ao seu encontro. Olhei para os casacos caídos. E o moço falou: "não fui eu!"Fitei-o, calma e insistentemente. O moço voltou à fala: "não são meus!"Voltei o meu olhar para os casacos. O moço voltou atrás, apanhou-os e pendurou-os nos cabides de onde os tinha arrancado. No fim da tarde, uma senhora entrou na escola, dirigiu-se ao vestiário, pegou no casaco do moço, atirando um outro casaco ao chão. Não se abaixou para o apanhar.

Segunda situação: portas fechadas, o avião acabava o abastecimento de combustível. A tripulação avisava ser proibido o uso de celulares. Os celulares tocavam e muitos passageiros faziam ouvidos de mercador, ligando para familiares e amigos.O avião chegou ao final da pista, preparava-se para decolar. A aeromoça insistia: "minha senhora, faça o favor de apertar o cinto da sua filha". "Ela não deixa colocar o cinto. Não consigo convencê-la."Quando a mamã insiste - "Vá lá, meu anjinho, deixa mamãe pôr o cinto!" - apanha uma sonora bofetada do seu anjinho. Encolhe-se. Sorri para a aeromoça: "não vê que é uma criança..." E, durante toda a viagem, sapatos sujos em cima do assento, a criança premiu o botão de chamada, arrancou e destruiu tudo a que pode deitar a mão. Impunemente.O avião aproximava-se da manga de desembarque. Três vezes a aeromoça apelou: "por favor, permaneçam sentados até a paragem completa da aeronave". Repetiu o apelo em língua inglesa. Os passageiros levantados não voltaram a sentar-se. Presumo que fossem surdos, ou que não fossem ingleses...

Terceira situação: um jovenzinho de aspecto boçal descalçou-se, inundando o ônibus de um cheiro nauseabundo. Pousou um pé no espaldar do assento à frente. A passageira da frente sentiu o contacto do pé (e do odor), encolheu-se e voltou o rosto para a janela.

A moral da história... Provavelmente, quase todos os protagonistas destes episódios exemplares terão andado na escola. Certamente, os jovenzinhos tiveram pais, parentes e amigos. Educação não tiveram. Quem os ajudou a crescer?

José PachecoEducador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)josepacheco@editorasegmento.com.br

Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12791

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